sábado, 26 de junho de 2010

Lugar Comum


A Mangueira é um lugar comum. As ruas sinuosas e verticalizadas, espremem casas de uma gente humilde, encravada numa encosta de uma das cidades mais famosas do mundo. As pessoas de lá, são comuns! Elas tem sonhos, tem pesadelos, tem alegrias, tem tristeza, tem vontade de ir e vir, tem vontade ir e não voltar, e tem vontade de nunca sair de lá.
Lá na Mangueira, existem homens, mulheres, crianças, existem trabalhadores, e também tem quem não trabalhe. Tem uns que dão tanto trabalho!
No Morro da Mangueira as pessoas são tipicamente pessoas!
É que olhando de baixo pra cima, a gente percebe que aquele lugar tão comum, é mais um amontoado de gente, e de casas, e de coisas, que a gente encontra em cima, embaixo, de um lado, do outro, do mais rico ao mais pobre dos lugares, porque afnal de contas, em todo lugar a gente encontra pessoas..
E a Mangueira é tão comum, e tem um cotidiano tão previsível, que justamente por isso, ironia do destino, é assim tão incomum.
Mangueira é a contramão, é o não, é o contraditório. É onde a poesia carrega de um tudo, menos sofrimento. Na pior das hipóteses, um simples lamento!
É lá em Mangueira que as pessoas sorriem porque simplesmente são comuns. É onde a beleza é tão singela e sincera, que as pessoas não se importam se são reis e rainhas e se tem tantos súditos!
A nobreza da Mangueira, essa sim, incomum, é feita pra nós, que somente ficamos comuns, quando lá pisamos!
É naquele lugar que o preto, o pobre, o empregado, o ébrio, o feio, e todos esses adjetivos tão sem qualidade, são reverenciados e justamente por isso, é que penso que pessoas a gente encontra em qualquer lugar, mas gente de verdade, aos montes, acho que só em Mangueira!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Nelson do Cavaquinho



Em algum lugar,
De um lugar qualquer,
Nasceu, filho de homem e mulher,
Alguém a quem deram algum nome.

E assim sua vida correu,
Das brincadeiras da infância,
À rebeldia da juventude,
Entregando-se a plenitude
De ser o alguém no meio da multidão.

E fez-se a vontade do pai,
E foi aí que iniciou a carreira.
Mas como vontade boa
é a que dá e passa,
Viu que a vida só tinha graça
Se fosse vivida ao modo seu.

E foi numa dessas que conheceu o pecado
E pior ainda, que dele gostou.
Então entregou-se à boêmia
E abraçando a poesia,
Com lindas notas
Seu choro ecoou.

Alguém de poucas palavras,
Que ao rir da desgraça
Ou cantar-lhe apenas,
Vivia, à duras penas,
A vagar entre o sonho e a realidade,
E não haverá quem saiba dizer
Se era a verdade dos outros,
Ou sua própria maneira de viver.

A glória chegou-lhe bem tarde,
Mas não ao ponto de não mais o ver.
E do tanto que fez com tão pouco,
Meio que assim, no sufoco,
Só teve da vida o que agradecer.

Seu nome podia ser João,
E até, com um pouco de fé,
Quem sabe, um tal de José.
Ele podia ter nascido fidalgo,
Mas jamais deixaria a ralé.

E sua história podia terminar assim,
Meio como que começou,
Falando de qualquer um,
Que se encontra em qualquer botequim.

Mas essa história jamais termina,
É brasileiro, é quase uma sina!
Pra muitos é mais um famoso
E pra outros, um alguém conhecido.

Pra nós ele é apenas o Nelson.
O tal que tocava o Cavaquinho
A quem dedicou em seus versos,
No mais sagrado pergaminho:
As “folhas secas”.
Mostrando ao mundo que a flor
Somente é bela
por livrar-se de espinhos.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Morro...de Mangueira


Morro...
de tanto lutar, de tanto subir e descer,
E do tanto que faz essa gente feliz.
Morro...
De tanto orgulho e de tanta esperança
Que um dia o mundo conheça a imensa nação,
Que carrega nos ombros o fardo pesado
De um povo marcado desde a raiz
Mas que deixa o legado
De um povo suado, festeiro e feliz.
E que tem tatuado bem dentro do peito
As cores de uma bandeira
Que é verde, e não amarela,
Que é rosa, no azul que amanhece
Todos os dias em que, estende-se o manto
Marcado de branco, e decorado de estrelas
Que dia após dia percorre ladeiras,
Num grande cortejo
Que passa por ti, Morro.
Morro de Felicidade!
Morro de Emoção!
Morro de Amor!
Morro da Mangueira!
Morro...
De Mangueira.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Obrigado Deus, sou MANGUEIRENSE!

Que meu coração é verde e rosa, isso eu já sei, afinal de contas, precavido que sou, vivo fazendo check-ups periódicos.
Aliás, desde a primeira palpitação mais forte que senti, isso lá pelos idos de 1984, especificamente no carnaval, e mais especificamente ainda, no desfile das campeãs, quando meu coração disparou, e tratei logo de procurar uma explicação e o médico foi categórico:
“- Seu coração é verde e rosa”.
Sempre soube que isso era grave, e pra minha felicidade, é uma coisa que não tem cura!
Tratei logo de me submeter a um longo tratamento, à base de muito samba de qualidade, de muita emoção, de muito orgulho pelas cores da minha bandeira, e vez por outra visito o morro, onde tem um centro especializado nessa dádiva, que os leigos chamam de quadra, mas eu, de Palácio. É assim a vida saudável para alguém que descobre ter o coração verde e rosa.
Confesso que com toda a rigorosidade com que encaro esse tratamento, e por mais acostumado que esteja com os efeitos colaterais, nem sempre consigo conter um dos principais deles, que é o choro. É incrível como tratar do coração verde e rosa provoca lágrimas.
E hoje, durante minha terapia diária, não é que novamente senti os efeitos disso?
Diante da tela do computador, buscando cada vez mais remédios para essa verdadeira loucura, que me deixa tão lúcido, deparei com uma canção, e claro, baixei, sob o pretexto de que era uma versão ao vivo de “Verde que te quero rosa”, na voz daquele que a criou, e mais ainda, em sua última apresentação ao vivo.
Pacientemente enquanto baixava o arquivo, tratei logo de disponibilizar aqui, e finalmente, pus-me a ouvir...
Cartola, com aquela voz tão cheia de verdade Mangueirense, tão íntima, tão certa do que está falando (talvez esteja falando de si) , é um tratamento muito pesado para quem tem a Mangueira dentro do coração.
E chorei...
E como nessas horas, ficamos muito religiosos, me apeguei na fé.

OBRIGADO DEUS, EU SOU MANGUEIRENSE!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Seu Delegado


“Seu Delegado”
Alivia a barra da rapaziada
Eu sei... É flagrante!
Mas eles não sabem de nada.

Na boa, “Seu Delegado”,
Eles entraram numa furada.
Tentaram matar o samba,
Mas alivia, “Seu Delegado”.
Esse gesto de crueldade.
É que não contaram pra eles
Que tinha Delegado na nossa cidade.

Pensaram que o samba
Já estava de perna bamba.
O que fizeram com ele,
Eu sei que não tem perdão.
Mas “Seu Delegado”, vê se alivia
Dá o desconto, eles não sabiam!
Não contaram pra eles “Seu Delegado”
Que o senhor diz no pé,
Pode crer que agora aprenderam a lição!

terça-feira, 8 de junho de 2010

O trem na Estação


Por mais cinzas, acastanhados e por vezes negros que fiquem meus olhos,
ao olhar pra ti, no fundo de tua alma, um verde invade minha retina.
E por mais morena que seja minha face, ou mais pálida que por vezes também possa parecer, sinto rosar-me o semblante, num verdadeiro espasmo de emoção.
Foram poucas as vezes que diante de ti senti tristeza, e infinitas as vezes que a alegria me invadiu, mas em todas elas, senti um brilho molhado que, teimoso, correu-me a expressão, vindo adormecer no canto da boca.
Um tanto te elogia pelo cenário, e tantos outros, pelas estrelas que brotam de teu chão.
Uns simplesmente, num sobe e desce ladeira, fazem de ti mais uma diante da multidão, e ainda tem aqueles, que vivem por ti, e que morrem por ti, pois assim, se fazendo semente, se lançam na eternidade dos teus versos.
Mas todos são por ti , e para ti, e todos esses que vem e que vão, não terão vivido em vão.
Nossa, nem percebi, lá vem o vagão!
È chegada a hora derradeira, o trem da vida parou na Estação, e tu serás a Primeira, tal qual uma oração, a abrir as portas do céu, e de dentro do trem da partida, não será visto vindo de ti a despedida, porque ao olhar da janela, na hora do adeus, tu estarás a sorrir, e a colorir de verde os olhos, que se fecharão, e mais uma vez, tua face rosada será avistada, e todos poderão ouvir a batida firme e única do teu coração anunciando que é chegada a hora do fruto maduro ganhar o chão e repousar na eternidade dos versos que caem de ti!

domingo, 6 de junho de 2010

Samba Ultrapassado


Não me venha com esse papo
Que me meu samba é ultrapassado,
Nem tente me convencer
Que a moça da TV
Com seu belo gingado
Tem mais ginga no quadril
Que ela tem mais rebolado
Do que as cabrochas do morro,
Com os cabelos enrolados.
O cabelo desembola
Disso toda mulher trata
Só que a moça bonita
Que é capa de revista
Bem que tenta, mas se embola
Com os requebros das passistas.

Tão dizendo por aí,
Que minha escola já não é mais aquela
E que outra é quem manda
Em toda a passarela.
Pois que fiquem com a avenida
E com seus minutos de glória
Eu prefiro cruzar o tempo,
E seguir fazendo história.
Podem até mandar no palco,
Isso não me desatina,
Mas ninguém arreda o pé
Sem que abram as cortinas,
E que comece o show daquela
Que a todos alucina.

Umas conseguem fama,
E até muitas vitórias.
Mas nem todas permanecem
Sempre vivas na memória.
O que hoje chamam “novo”
Amanhã terá passado,
Já passei por tudo isso
E estou acostumado.
Tenho um chão que nascem estrelas
Que sempre enfeitarão o céu,
No meu solo cobiçado
Tem raízes bem profundas,
E que tem nome sagrado
Conhecido por Mangueira,
Que não para de dar frutos,
Esses sim, pra vida inteira!

"Corre e olha o céu em verde e rosa"!


Assim é a Mangueira, essa verdadeira avalanche de felicidade, que nos deixa mergulhados na mais pura poesia! As outras que me desculpem, mas MANGUEIRA É FUNDAMENTAL!

Somos todos Mangueirenses!

A Mangueira me faz sentir plural. Diante dessa bandeira, parece que me foge a inspiração. Me sinto sem criatividade, repetitivo, na verdade, um tolo! O que falar da Mangueira que ainda não foi falado? O que cantar pra Mangueira que ainda não tenha sido cantado? A Mangueira esgotou os adjetivos! Não tem palavra, que explique Mangueira. “A Mangueira é tão grande , que nem cabe explicação!” . Viram, começou o clichê! Ah, tem outra, que eu adoro, que é “é verde e rosa a cor da tua bandeira, pra mostrar pra essa gente, que o samba é aqui em Mangueira!”. Inspirado, mas não é meu. Por mais que tente, me fogem versos originais pra falar de Mangueira. Será que o fato de ser a “Mangueira uma mãe”, me sinto assim, meio criança? A grande verdade , é que não dá pra falar de Mangueira, sem que “pense nos poetas da minha estação primeira”.
Confesso, tudo começou em 1984, quando a escola foi e voltou. Ela foi, voltou, e carregou consigo meu coração. E nunca mais devolveu! Absurdamente ela me tomou pra si, e nem me deu chance de escolha. Covardia isso! A Mangueira é assim, uma espécie de arrebatamento. Primeiro que não tem quadra, tem um Palácio. E nesse Palácio, os Reis e Rainhas tornam-se súditos, e os súditos, são os verdadeiros reis e rainhas. Em Mangueira somos um pouco do tudo que queremos, mas nem sempre podemos. É onde o rico se junta ao pobre. É onde o homem chora. É onde a mulher é forte diante da fragilidade. É lá em Mangueira que os adultos viram crianças, como que brincando num imenso salão, lambuzados de felicidade, e onde crianças são adultos, tamanha a seriedade com que trazem no sangue e no pé, a essência viva do samba. O mais engraçado, é que em Mangueira, os velhos são sempre novos, e os novos, se sentem velhos, como se fossem senhores do samba. Na verdade, Mangueira não tem torcedores, tem MANGUEIRESES, e me ofendo se me chamarem de torcedor! (essa também não é minha, mas é excelente). Mangueira não tem puxadores, tem intérpretes. Mangueira não tem sambas, tem hinos. Mangueira não tem chão, teu um céu que pode ser tocado com nossos pés! A Mangueira entranha nas veias... O sangue que corre nas nossas veias é verde e rosa. A Mangueira tem a majestade singela de “uma rosa que não fala”. Em Mangueira não tem preto, nem tem branco! Em Mangueira tem gente de uma só cor. É lá , em Mangueira, onde o morro tem vez! É quando a ladeira corre ao contrário, é onde pra cima que todo santo ajuda, ao contrário da crença popular. É onde o famoso vira fã, e o fã vira artista. É em Mangueira que todos se encontram, se encantam, se enamoram, e cantam, um só canto. Mangueira é assim, coração enorme, onde vive Cartola, Jamelão, Padeirinho, Hélio Turco, Saturnino, Carlos Cachaça, “Nelsons” (o Cavaquinho e o Sargento), Delegado, Ivo, Tantinho, e o Onésio, e o Marrom e o Jaguara e tantos outros. Vivem Tidinha, Zica , Neuma, Neide, a Beth, Alcione, Rosemary, e a Bisteka, e Juliana e tantas outras.. E lá vivem a Maria, o João, vive o José, o Pedro, a Dona Josefa, a Tia Regina. É lá em Mangueira que vive você, que eu vivo! Porque, lá em Mangueira, todos nós sentimos que de fato estamos vivos! Em Mangueira ninguém morre! A Mangueira eterniza! Porque lá, não temos nome: somos todos MANGUEIRENSES!