domingo, 31 de julho de 2011

Popular, com Maestria

Qualquer pessoa sem a menor noção de técnica musical como eu, ao ouvir o termo “música erudita” com certeza imagina aquelas músicas de orquestra, meio que coisa de gente intelectual. Na prática realmente é isso. A definição de música erudita é basicamente essa mesmo, é um tipo de música oposta à música popular (aquela que a gente conhece e escuta normalmente) e é pontuada por compassos, por partituras, por métrica e uma série de conceitos acadêmicos que se contrapõem à emoção. Uma música erudita é milimetricamente composta, levando-se em conta aspectos que eu nem sei explicar, e não tem preocupação necessariamente com o emocional, embora o equilíbrio sonoro dessas canções, ou “peças”, como se chamam, curiosamente nos provocam sensação de harmonia e conforto o que não deixa de ser algo ligado à emoção.

Carlos (Vianna) Cruz, pianista, maestro e compositor capixaba radicado no Rio de Janeiro, foi desses grandes estudiosos da música, com formação nos seminários da Pró-Arte (RJ) tendo estudado com Hans Fraff (piano), Esther Scliar (teoria) e Roberto Schnorrenberg (harmonia). Com seu talento, chegou rapidamente às rádios, nos áureos tempos desse meio de comunicação, e num pulo, às emissoras de televisão, como arranjador e diretor musical de vários programas, tendo passado pelas TVs Tupi, Excelsior, Record e por último na extinta Rede Manchete onde ainda assinou as trilhas das novelas "Marquesa de Santos", "Dona Beija", "Fronteira do Desconhecido", "Ilha das Buxas" e "A Escrava Anastácia". Sua obra "Intervalos" representou o Brasil no Festival Internacional da Ucrânia, em Kiev, em 1994.

Carlos Cruz foi sem dúvida alguma um ícone da música erudita, e sua enorme paixão pelo estado de origem, o Espírito Santo, o acompanhou por toda a vida, tendo sido coroada com uma de suas maiores conquistas: é dele o Hino Oficial da Cidade de Vitória – ES.

Mas a música, como toda forma de arte, em alguns momentos quebra as convenções e regras, e Carlos Cruz, o erudito, compôs uma centena de músicas populares, numa oposição quase que instintiva a tudo que o entendimento de música erudita lhe ofereceu. Talvez não tão instintivamente assim, afinal de contas, num dado momento, Carlos Cruz conheceu um instrumento chamado violão...

Foto: Orquestra Maranhense de Violões (ilustrativa)

E quando se fala em violão, é impossível não se chegar ao samba, e quando se chega ao samba, é mais impossível ainda não se chegar à “MANGUEIRA MINHA ALEGRIA”

É dele, do mais popular dos eruditas, uma das mais belas declarações de amor à Mangueira.


“Mangueira vem brilhar de novo,

Trazendo o seu carnaval pro asfalto

Mangueira é a voz do povo,

dizendo tudo que pensa bem alto!

É verde, é rosa

A escola que sabe ser famosa

E agora muita atenção que você vai ver

A minha escola que vai desfilar e acontecer...

Ô ô ô... ô ô

Mangueira minha alegria, chegou

Ô ô ô... ô ô

Mangueira, estação primeira, falou

(Fala Mangueira!)”


Fonte de Pesquisa:

Dicionário MPB (site)

Música Erudita Multiply (site)

Uol Mùsica (site)

“Carlos Cruz 70 anos – Um compositor capixaba e um violão” – Texto de Moacyr Teixeira Neto, Mestre em Música pela UFRJ

segunda-feira, 18 de julho de 2011

"Morro" de Simplicidade

“Estação Primeira”, com Carol Sant`Anna. Duvido que alguém não sinta, nesse clipe simples, nesses versos simples, a magia de que vou falar. Tudo muito simples.




Ninguém soube nem talvez nunca saberá explicar o encanto que o Morro da Mangueira exerce sobre as pessoas. Poderia ser mais uma favela (detesto a palavra “comunidade” que a hipocrisia politicamente correta nos impõe!) como tantas outras do Rio de Janeiro. Ora, quantas comunidades (favelas ou não) desse país afora vivem com dificuldade, tem gente humilde, que em meio às mazelas urbanas sobrevivem à custa de muita luta, suor e esforço? Ao contrário do que se pensa, o encantamento da Mangueira não está no fato de ser um morro cravejado de barracos, e com pessoas menos favorecidas num vai e vem frenético. Esse cenário é comum, e não é privilégio (?) somente daquele lugar . Recuso-me a acreditar que seja isso o que mais chame a atenção naquele morro, eternizado nos versos de tanta gente que para não cometer uma heresia, prefiro não citar, porque fatalmente não caberiam todos nem no texto, e muito menos na minha memória nesse exato momento.

A resposta poderia estar no samba, afinal de contas, os nomes da música que em algum momento (ou sempre) cantaram Mangueira formam capítulos e mais capítulos da história da cultura popular brasileira, e claro, a eles deve-se e muito o reconhecimento do lugar . Mas o que teria feito essas pessoas cismarem justamente com aquele morro, com aquela gente? Poderia ser qualquer outro morro, ou qualquer outro bairro do Rio de Janeiro de tantos redutos de bambas e de samba, o Rio da Lapa, de Madureira, dos morros da Cuíca, Borel, Salgueiro.

Ali mesmo, bem pertinho do Morro da Mangueira, tem o Estácio, para muitos o berço do samba carioca (eu me recuso a dizer que o berço do samba não é na Mangueira).

Mas seria tão óbvio achar que essa magia veio disso tudo, sem considerar a imensa sorte do lugar, porque, vamos combinar, se tem uma coisa que nessa questão não faltou à Mangueira foi sorte! Tanta gente boa cismar com o mesmo lugar, e mais, durante tanto tempo... Esse fascínio pela Mangueira é atemporal... Ele não morreu junto com os grandes nomes que eternizaram o lugar, aliás, a cada poeta que se vai, a mística se fortalece. Como diz um samba-enredo da escola, a “Mangueira é o tronco forte que dá frutos a vida inteira”.

Resolvi me permitir uma ousadia: tentar explicar o que é a que Mangueira tem. Talvez a explicação esteja justamente na simplicidade! Lá em Mangueira tudo é tão soberbamente simples que se torna majestoso. Na quadra da Mangueira , junto às pessoas comuns, vê-se artistas, celebridades, políticos e toda gama de gente, tudo tão natural, tudo tão deliciosamente junto e misturado. É tão bom ver as senhoras do morro devidamente alinhadas para um ensaio e ao mesmo tempo ver as beldades da TV tão deliciosamente despojadas, desmascaradas! E tudo ali, do ladinho daquelas casas simples! Quando se está na Mangueira, não existe rico, nem pobre, nem feio, nem bonito, nem famoso, nem anônimo...

Lá o que existe é um orgulho imenso de olhar toda aquela gente com o rosto marcado, com as mãos calejadas, com a vida difícil, mas com um imenso sorriso no rosto. É como se o mundo que conhecemos deixasse de existir, e ali fosse outra dimensão, dando-nos aquela certeza gostosa de que, pelo menos em Mangueira, não existe lugar para infelicidade. Pode até haver tristeza, coisa da natureza humana. Mas ali não vejo nos rostos apenas alegria estampada: vejo sorrisos felizes. E entre alegria e felicidade existe uma enorme distância, talvez a mesma distância que separa o mundo real do mundo que todos encontram, somente ali, nos botecos, vielas, ruas e becos de um lugar de gente simples, mas que bate no peito, com muito orgulho.

O lendário nos fala de Atlântida, Eldorado, Éden, Shangri-lá. Quem sabe o Morro da Mangueira não seja um desses lugares imaginários que “pra se entender tem que se achar que a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais....”







Fotos 2 e 3 - Valéria Del Cueto (Dep. Fotográfico da Mangueira)
Ilustração: "Morro da Favela" - Tarsila do Amaral

terça-feira, 12 de julho de 2011

O Cacique da Folia



Logomarca oficial do enredo da Mangueira para o carnaval 2012


Muito mais do que celebrar o Cacique de Ramos, bloco carnavalesco que simboliza a resistência e de onde surgiram vários nomes famosos do samba, o enredo da Mangueira para o carnaval 2012, é uma celebração da festa genuinamente popular, o carnaval de rua, com seus blocos, cuja história será contada desde a chegada do negro no Brasil, trazendo seus costumes e tradições que acabaram por fazer nascer a maior festa da nossa cultura. O texto a seguir é inspirado livremente na sinopse do enredo da escola, "Vou festejar, sou Cacique, Sou Mangueira" divulgada para os compositores para comporem os sambas que estão na disputa de samba-enredo da escola. Não tenho a pretensão de fazer um samba, apenas mostrar minha visão do que a Mangueira contará na avenida em 2012!


Vim de uma terra distante,

Solitário navegante da apatia do Negreiro

Homem branco disfarçado

Pôs meu peito mergulhado num profundo pesadelo

À mercê da própria sorte

Tive medo que a morte triunfasse sobre as rezas

Dos meus nobres ancestrais.

Olhos fechados, no breu da melancolia

enxergava a luz do dia

Mundo novo se anuncia, no suor da escravidão.

Gotas que dos olhos me escapavam,

Era um mar que se alastrava, suplicando à Iemanjá,

Que num canto me dizia, não desista, siga em frente

e liberta das correntes a alegria prisioneira

mascarada nos salões


Soam atabaques no louvor à mãe Ciata,

baiana mãe da ginga do requebro das mulatas

Romaria , cancioneiro, enfeitiçam a multidão.

Vai rodando o tabuleiro, bota água no feijão

Virgem Santa do Rosário, sua benção, força e fé

Saravá meu Pai Oxóssi, pelas ruas peço axé!


E seguindo o meu destino fui em busca da alegria

Embrenhado nessa selva encontrei fera temida,

O bafo quente da onça,me assustava na avenida

E batendo meu tambor, eu chamei tribo guerreira,

Deu-se então grande batalha que passou da quarta-feira

Mas de tanto guerrear veio então grande agonia

Onça correu pra toca, índios todos para oca

Mas sou povo, sou valente,

Eu sou bravo, resistente, nunca hei de desistir

Fui buscar “Doce refúgio” debaixo de uma tamarineira

E juntando os amigos no fundo do meu quintal

No repique dos tantãs, todo dia é carnaval

Hoje, meu bloco na rua,

Todo povo se amontoa

Esperando o ecoar do meu surdo de primeira

E bem junto à multidão, lá vou eu, descer ladeira

A cumprir o meu destino, a minh`alma brasileira

Sou preto, branco, sangue vermelho

Alvorada em verde e rosa, se anuncia!


Abram-alas que chegou a tribo da folia

Canta meu povo até o raiar do dia

Eu sou índio, quero apito,

Onde eu fui, não foi ninguém

Sou o Cacique da avenida

Eu sou povo, sou Mangueira!


Imagem: Jornal "O Globo"

Acesse o site da escola, e conheça um pouco mais do que está sendo preparado pela verde e rosa para o carnaval 2012! E claro, faça uma viagem pelo reduto dos bambas da Estação Primeira de Mangueira, a escola de samba mais querida do planeta!


http://www.mangueira.com.br/