quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Flor e o Espinho de Nelson Cavaquinho - O Trovador dos Aflitos

Nelson Cavaquinho é na minha opinião um artista atemporal. Basta uma ligeira passada em algumas de suas composições, para percebermos que seja qual for a época, suas obras sempre serão atuais.
Poucos cantaram com tanta precisão e sensibilidade, e de maneira tão simples e profunda, as dores do coração. Embora exista muita melancolia nas imortais obras de Nelson e seus parceiros, é curioso observar que muito mais que cantar as dores, as decepções, os medos e as desilusões, Nelson do alto de sua poesia, sempre mostrou-se otimista.





Juízo Final
(Élcio Soares / Nelson Cavaquinho)
"O sol....há de brilhar mais uma vez
A luz....há de chegar aos corações
Do mal....será queimada a semente
O amor...será eterno novamente
É o Juízo Final, a história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer"

Ao mesmo tempo em que musicou dor e sofrimento, expressou também que sempre haverá algum motivo para sorrir, ou para se ter esperança, e ao invés de mergulhar-nos na mais profunda depressão, as obras de Nelson nos permitem sofrer, sem o menor constrangimento, mas com a certeza de que a dor há de passar.
Nelson desmascarou a força que esconde-se por trás das lágrimas dos desamores e dissabores da vida, falando abertamente, o que na verdade é um grande desabafo. Nelson sofreu para todos nós. Ele corajosamente disse o que muitos de nós, na soberba da ferida aberta, fingimos não sentir. Através das cordas do violão de Nelson e de sua voz rouca e cheia de sofreguidão, a dor de cotovelo ganhou voz, ganhou alma, e seus desabafos, são os mesmos nossos.
Nelson não teve vergonha de temer a morte! Não teve pudor em cantar os dissabores de uma vida vadia. Poucos poetas foram tão verdadeiramente realistas como Nelson, e a beleza de suas obras está no fato de que ele, ao contrário do que se pensa, não fingia. Ele apenas enfeitava de flores o que machuva o coração.
Ao lançar um olhar sobre as obras de Nelson Cavaquinho, inevitavelmente nos parece, estarmos lendo um blog, ou um diário, ou o twitter de alguém. O que são essas ferramentas senão uma forma de nos sentirmos humanos, e expressarmos sob o pretexto do anonimato, aquilo que por vezes nos falta coragem de dizer olhando nos olhos de alguém?


Ninho Desfeito
(Nelson Cavaquinho - Wilson Canegal)
"Vives no meu pensamento
Não esqueço um segundo de ti
É minha vida um tormento
Sofrimento igual nunca vi
Teu perfume ficou em meu leito
No meu peito ficou teu amor
Volta que ninho desfeito é uma casa onde mora a dor
Se batem na porta do meu triste lar
No peito meu coração se agita
Abro, a esperança desfaz-se no ar
Por nao encontrar por quem ele palpita
No entanto, eu espero sem desesperar
Pois sei que voltarás um dia
Sei que virás novamente enfeitar nosso lar de prazer e alegria"


E justamente por isso, por Nelson ter sido tão simples, que tornou-se genial. O que imortalizamos em diários virtuais, ele eternizou em belas melodias. Evidenciou seu amor à Mangueira, seu amor à boemia, seu medo de morrer e cair no esquecimento, mas sempre com a sutileza de quem guardava no fundo a certeza de que algo de bom existia nas desventuras da vida.

Palhaço
(Nelson Cavaquinho)
"Sei que é doloroso um palhaço
Se afastar do palco por alguém
Volta, que a platéia te reclama
Sei que choras palhaço
Por alguém que não lhe ama
Enxuga os olhos e me dá um abraço
Não te esqueças, que és um palhaço
Faça a platéia gargalhar
Um palhaço não deve chorar"



Até mesmo a fama, já tardia, é a evidência de que o otimista Nelson estava certo. Quando ela lhe sorriu, Nelson já não era tão jovem, mas pode sentir o sabor que sempre tentava nos passar em suas canções. De que a vida e seus percalços é na verdade um grande aprendizado, e nós haveremos de ser otimistas, para que não desemboquemos no precípio do esquecimento.

Quando Eu Me Chamar Saudade
( Nelson Cavaquinho/Guilherme de Brito)
"Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora.
Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus ais.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais"


Nelson Cavaquinho, se vivo estivesse, completaria 100 anos de vida ano que vem.
Seu legado viverá eternamente, porque assim ele profetizou. Nelson era de fato um poeta, e como tal, fingiu como ninguém. E no seu fingimento de quem temia ser esquecido, imortalizava-se a cada linha que escrevia e a cada toque no seu violão.


Pranto de Poeta
(Nelson Cavaquinho / Guilherme de Brito)
"Em Mangueira
Quando morre um poeta
Todos choram
Vivo tranquilo em Mangueira porque
Sei que alguém há de chorar quando eu morrer

Mas o pranto em Mangueira é tão diferente
É um pranto sem lenço
Que alegra a gente
Hei de Ter um alguém
Pra chorar por mim
Através de um pandeiro e de um tamborim"

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Garimpo do Bello


Que a Mangueira é um verdadeiro “Chão de Esmeraldas”, disso não resta dúvida. Muito da história da Música Popular Brasileira, e muito do tudo que o samba representa dentro da nossa cultura, brotou daquele chão, porque lá, “a poesia, feito um mar, se alastrou”.
Mas como todo grande tesouro, há que se ter um garimpeiro! Uma jóia somente o é, após a pedra ainda bruta, ser descoberta, e lapidada, e levada aos olhos de todos com todo seu esplendor.
Em Mangueira, esse verdadeiro oásis de pedras preciosas, também certa vez apareceu um garimpeiro.
E no seu “sobe e desce constante”, pôs-se a procurar esmeraldas, e tantas outras relíquias, e entre flores, poesias e canções, encontrou nas escavações uma “Rosa de Ouro”, e o seu talento fez reluzir por todos os cantos os mais iluminados diamantes que surgiam ali, tão perto e distante, na verdade “um céu no chão” se avistado do alto.
E como “a Mangueira é tão grande, que nem cabe explicação”, nem ele, junto com seu amigo Paulinho, conseguiram entender com clareza o que acontecia naquele lugar. Como jóias não precisam de explicação, apenas de polimento, eis que o garimpeiro, que já nasceu conhecendo o “Bello”, encarregou-se de mostrar a todos suas grandes descobertas.
E eu “nem sei se toda beleza de que lhes falo” seria privilégio de tantos, não fosse por ele, o garimpeiro, surgido na “Alvorada”, cujos olhos conseguiram sim perceber, e cujas mãos ousaram sim tocar, tirando da “estrada perdida” a riqueza do Morro de Mangueira.


Hermínio Bello de Carvalho, compositor, poeta, produtor musical, é um ícone da Música Popular Brasileira. Emprestou seu talento a mais de 100 produções, dentre as quais, destacam-se discos de Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, dentre outros. Na década de 60, produziu o antológico espetáculo “Rosa de Ouro”, que reunia nada menos que Clementina de Jesus, Paulinho da Viola, Nelson Sargento e Elton Medeiros.
Junto com o parceiro Paulinho, compôs uma das mais perfeitas homenagens à Mangueira, o “Sei lá, Mangueira”, uma “ode” à Mangueira e seus poetas, um hino da MPB. É parceiro de Chico Buarque na composição, também em homenagem à Mangueira, “Chão de Esmeraldas”, e uma das suas obras mais emblemáticas, é numa parceria com o grande Mestre Cartola e Carlos Cachaça, a histórica canção “Alvorada”.


Hermínio era aliás o maior amigo de Cartola. Tal amizade era tamanha, que na missa de sétimo dia do Mestre, Dona Zica, sua viúva, ofereceu a ele o anel que pertencia ao marido, uma lira de ouro, “o anel de formatura de sambista”.
Dona Zica o fez atendendo a um desejo expresso pelo marido, antes de morrer!

Pesquisa de texto:
Site “Biscoito Fino” e o livro “Cartola, os tempos idos” (Marília T. Barboza da Silva e Arthur L. de Oliveira Filho – Editora Funarte – Ministério da Cultura)


Canções:
“Sei lá, Mangueira” (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho)
“Chão de Esmeraldas” ( Chico Buarque e Hermínio Bello de Carvalho)
“Alvorada” (Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho)

Imagens: Foto 1 – “Uol – Sovaco de Cobra” - Foto 2 – “O Dia on line”